quarta-feira, março 18, 2015

Financiamento de campanha - Não adianta tirar o sofá da sala

Opinião: jornalista Renato Ferreira - 


Não é a origem do financiamento de campanha eleitoral que faz um político mais ou menos corrupto



Com a atual crise política do Brasil, recheada de denúncias diárias de corrupção e com milhões de pessoas protestando contra a corrupção nas ruas e nas redes sociais, um dos discursos que voltou à tona com força total é a reforma política. Em qualquer bate-papo, seja numa roda de amigos ou nos parlamentos, a reforma política se tornou a pauta do dia.

E, como a corrupção está acuando os políticos e governantes, o financiamento privado das campanhas eleitorais se transformou no bode expiatório, como se ele fosse a causa principal da corrupção nos meios políticos e na administração pública. Não pretendo ser o dono da verdade, mas, sobre essa questão discordo totalmente de políticos ou juristas  que defendem o financiamento público, como se a corrupção existisse somente por causa do financiamento privado.  Pra mim, esse discurso suprapartidário não passa de uma tremenda desculpa esfarrapada, pois, em minha opinião, o político é ou não honesto por uma questão de consciência e de filosofia de vida e isso não depende da origem dos recursos de sua campanha.

Ninguém nos obriga a ser corrupto

Permitam-me falar aqui de um fato que ocorreu comigo lá por volta do ano de 1978 ou 79, quando eu trabalhava na extinta Ultralar, no Jaguaré, uma rede de lojas de móveis da época. Estava no auge dos meus 23 anos e muito empolgado com o trabalho, pois – vejam só - a Ultralar estava implantando a informática no seu sistema de emissão de notas fiscais. Tudo era novidade no mundo dos computadores, que mais pareciam com aquelas antigas e grandes máquinas de lavar roupa. Éramos digitadores e os programadores eram vistos quase que como seres extraterrestres de tão inteligentes.

Trabalhávamos em salas geladas, pois, os computadores não funcionavam se a temperatura ultrapassasse os 18 graus centígrados. Outra novidade era que as máquinas sempre quebravam ou sempre dava algum tipo de pau no sistema.

Então, quando as máquinas de São Paulo quebravam, para não interromper a emissão das notas, uma equipe de digitadores, técnicos e programadores ia para o Rio de Janeiro, onde trabalhávamos à noite fazendo a digitação de São Paulo. A mesma coisa ocorria com os cariocas, que vinham para São Paulo quando as máquinas de lá apresentavam problema.

E, assim, foram vários meses até que tudo ficou mais estabilizado. Fui com alguns colegas, provavelmente, umas dez vezes para o Rio de Janeiro pela ponte aérea. E nesse vai e vem de São Paulo para o Rio, sempre um de nós ficava responsável pelo dinheiro que nos era repassado para hospedagem e alimentação na Cidade Maravilhosa. Fiquei algumas vezes como o responsável por essa prestação de contas. Mas, graças Deus, como sempre aprendi com os meus pais, mais vale a honestidade com o pouco do que passar vergonha por tentar se apropriar do que não nos pertence.

Lembro-me como se fosse hoje, que numa das vezes, somente eu e um colega fomos para o Rio, com o outro sendo o responsável pelo dinheiro. E nessa viagem, no dia do fechamento das diárias, saí mais cedo do hotel. Combinei com o colega que iria sair mais cedo, porque iria visitar alguns amigos e parentes que moravam em outra região do Rio de Janeiro. De lá eu iria para a Ultralar carioca.

Só que, sem ninguém saber, a empresa já desconfiava e investigava alguns desvios na prestação de contas. Eram notas rasuradas e já havia sido instaurada uma sindicância para identificar os responsáveis.
 Depois que chegamos do Rio, como outros já haviam sido chamados, fomos informados que eu e esse colega, iríamos ser ouvidos sobre a prestação de contas dessa última viagem. Todos eram ouvidos, mas, separadamente, para que cada um desse a sua versão.

Fiquei até com pena desse colega, pois, vi as notas com rasuras grosseiras nos valores colocados à mão. E, claro, nem se quisesse conseguiria livrar a cara dele naquele episódio. Contei a minha versão, inclusive, mostrando a hora em que deixei o hotel, na parte da manhã.

E, claro, esse meu colega não teve como negar a sua participação num negócio sujo. Resultado: mesmo com a sua mulher esperando o primeiro filho, ele foi mandado embora por justa causa. Agradeci a Deus por mais uma atitude correta tomada em minha vida.

Então, relato esse fato particular, apenas com o objetivo de mostrar que a corrupção e a desonestidade são inerentes ao ser humano. Não é porque a pessoa começa a ter dinheiro fácil à sua frente que ela precisa roubar, seja na política ou na vida particular. E ser honesto não é virtude e, sim, obrigação do ser humano.


Só falam em milhões e bilhões

Assim como na Lava Jato, onde os delatores só falam em milhões e bilhões oriundos de propinas e de obras superfaturadas na Petrobras, assim também são os gastos com campanhas políticas e eleições no Brasil. A campanha de 2014 chegou à casa astronômica dos R$ 5 bilhões. Somente as campanhas do PT, PSDB e PMDB custaram cerca de R$ 3 bilhões. Nesta terça-feira, 17, como os doadores estão se afastando por causa da corrupção, o Congresso aprovou uma emenda que eleva para quase R$ 900 milhões os repasses públicos para o Fundo de Participação Partidária.

Hoje, a gente vê ministros e parlamentares de todos os partidos afirmarem que a raiz de toda essa corrupção, por exemplo, a que foi descoberta na Petrobras, só ocorre porque no Brasil temos o financiamento privado das campanhas eleitorais. E colocam isso como ponto principal da badalada reforma política.

Em minha opinião, isso não passa de uma forma de se desviar o foco da própria corrupção, como também mais uma forma de tirar  mais dinheiro do povo para campanhas políticas. E enganam-se, por exemplo, os pretensos candidatos mais pobres, que pensam que com o financiamento público todos os candidatos terão igualdade numa campanha.

Ledo engano, pois, os caciques da política de hoje continuarão mandando, mesmo se o dinheiro for dos cofres públicos. E todos devem ter em mente que hoje, além dos milhões que já se gasta com o processo eleitoral – mais de um milhão de reais a cada dois anos - já temos também um tipo de financiamento público com o dinheiro que todos os partidos recebem do Fundo de Participação Partidária.

Na teoria, o financiamento público é muito bom, porém, devido ao nível de corrupção, à morosidade de nossa Justiça e à própria impunidade que reina por aqui, o Brasil ainda não está preparado para a sua implantação. Basta cumprir a lei contra os corruptos, que o financiamento pode continuar sendo privado, com responsabilidade, sem que o povo seja ainda mais penalizado com o financiamento público de campanhas eleitorais.


Coitado do sofá


Concluindo, diria que quem acha que o financiamento empresarial das campanhas eleitorais é a causa de toda essa corrupção, faz o papel do marido traído que, ao surpreender a sua mulher traindo-o com outro no sofá, determina que o sofá seja retirado imediatamente da sala.


Por Renato Ferreira


Acompanhe Renato Ferreira também no Portal Mais Notícias: www.tvmaisnoticias.com.br 

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial

web counter free
-- Fim do codigo Contador -->