quarta-feira, novembro 01, 2006

Não existe democracia sem imprensa livre

A julgar pelos últimos acontecimentos envolvendo jornalistas, militância do PT e a Polícia Federal, tudo indica que a convivência governo/imprensa poderá ser muito mais tumultuada no segundo mandato do presidente Lula, do que foi durante esses primeiros quatro anos do governo petista. Durante a campanha, houve algumas declarações de petistas criticando a imprensa, contudo, são declarações que poderiam ser consideradas apenas como um discurso eleitoral, se não houvesse agora, como denuncia a revista Veja, até mesmo intimidação por parte de um delegado da PF para que seus jornalistas informassem suas fontes.
Durante o processo eleitoral era comum a gente ouvir reclamações de parlamentares petistas envolvidos em casos de corrupção contra a imprensa. Só que esses mesmos petistas "esqueceram" da cobertura que essa mesma imprensa fez durante a campanha de 2002, como também durante o primeiro ano do governo Lula. No entanto, com o aparecimento de tantos casos de corrupção que provocaram a demissão de assessores, cassação de parlamentares e queda de ministros, era normal que tudo isso fosse também registrado pela imprensa. O anormal seria não registrá-los.
O que o PT deixou transparecer com essas críticas é que muitos setores do partido convivem muito bem com jornais e jornalistas que apenas fazem elogios, mas não aceitam críticas ou matérias que registram fatos de corrupção envolvendo suas lideranças.
O coordenador da campanha de Lula, Marco Aurélio Garcia, extermou essa opinião petista sobre o papel da imprensa em dois momentos recentes. Durante um debate com o coordenador da campanha tucana, o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), na Folha de S.Paulo, a poucos dias do segundo turno, os dois foram instados a opinar sobre a proposta do governo que visava o controle dos meios de comunicação. Enquanto o tucano enfatizou que era contra qualquer tipo de censura à imprensa, o petista disse que isso era assunto para ser tratado no segundo mandato, lembrando que "a imprensa teria também que refletir sobre o que ela publica".
Após a vitória de Lula, militantes do PT agrediram verbalmente jornalistas que cobriam a chegada do presidente à Base Aérea de Brasília. Na chegada ao Palácio do Alvorada, os militantes voltaram a xingar os jornalistas. Um deles usou o mastro da bandeira do PT para tentar bater num repórter. À tarde, durante uma coletiva, quando um militante voltou a xingar os jornalistas, Marco Aurélio Garcia condenou a atitude da militância e afirmou: "Se houve qualquer manifestação de intolerância, tem a nossa condenação muito clara. Todos sabem que muitas vezes divergimos sobre o comportamento da imprensa, mas não concordamos com agressão. No entanto, a imprensa também deveria fazer uma auto-reflexão sobre sua atuação durante a campanha eleitoral".
Enquanto os fatos se restringem a empurra-empurra de assessores contra jornalistas, tudo pode ser compreendido como sendo apenas uma paixão de cabos eleitorais pelos seus chefes, porém, quando jornalistas de uma revista como a Veja, que, pela Constituição Federal, têm o direito de preservar suas fontes, são intimidados por um delegado, aí o negócio sai de um clima de disputa eleitoral para o cerceamente do direito à liberdade de imprensa.
Segundo a revista, três jornalistas, responsáveis pela matéria que falava sobre uma suposta "Operação abafa" para inocentar o assessor de Lula, Freud Godoy, no caso do dossiêgate, foram depor na Polícia Federal como tesmunhas. No entanto, conforme nota da revista Veja, os jornalistas passaram a ser tratados como suspeitos pelo delegado Moysés Eduardo Ferreira, que teria proibido também os jornalistas de falarem com os seus advogados.
Em carta à superintendência da PF em São Paulo, o delegado Moysés nega que tivesse intimidado os jornalistas. O superintendente da PF, Geraldo Araújo, disse que não houve intimidação nem pressão sobre os jornalistas. "O delegado Moysés nem é de São Paulo, é de Piracicaba, foi chamado justamente para fazer uma investigação isenta, distanciada".
Diversas entidades de classe, como a OAB, a ABI e a oposição no Congresso condenam o fato e pedem que o caso seja investigado pelo Ministério Público, inclusive, com o acompanhamento de uma comissão de parlamentares. Seria um retrocesso para o Brasil se, em pleno século 21, depois de uma vitória eleitoral, elogiada pelo mundo inteiro, alguém pensasse em repressão contra a imprensa brasileira. Só mesmo algum aloprado, como diria o presidente Lula, poderia pensar numa coisa desse tipo.

2 Comentários:

Às novembro 02, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Renato,

Você mandou bem. Não há democracia sem IMPRESSA LIVRE. Mas confesso que fiquei confuso. A fúria anti-imprensa é do governo (Marco Aurélio Garcia) ou do estado (delegado da PF)? Porque mais cedo ou mais tarde o assessor Marco Aurélio será defenestrado do governo (não há governo que dure para sempre) já o delegado é estado e independente de governo atuará.

 
Às novembro 02, 2006 , Blogger Renato Ferreira disse...

Moacir
Acho que não há confusão e a preocupação maior é realmente com relação ao papel de um delegado da Polícia Federal. Você disse muito bem. A PF tem que ser uma instituição de estado e não de governo, seja ele quem for.
Mas, você deve lembrar também de quantas reclamações o PT fez a respeito do desempenho da PF no governo de FHC, acusando-a de estar a serviço dos tucanos.
Agora, os petistas se vangloriam de todas as "investigações" de sucesso da PF. E quando há suspeita de uma "operação abafa", ou de retardamento nas investigações? Ela estaria agindo independentemente ou a favor da chefia?
Acho que é muito complicada a situação da Polícia Federal que, como uma instituição de estado, ela fica subordinada ao ministro da Justiça que sempre vai defender o Executivo. Mas, isso é uma outra questão, contudo, entendo que ficar subordinada ao Executivo, não é uma boa para a PF. Ela vai sempre receber crítica da oposição, portanto, em minha opinião, a PF deveria ser um órgão independente do Governo e o seu diretor jamais poderia ser nomeado pelo Presidente da República.
Mas, voltando à questão da relação governo/imprensa, para mim, a fúria é do governo que está no momento, como poderia ser de outro qualquer que, envolvido em falcatruas, critica a imprensa por publicar essas falcatruas.
E, justamente pelo fato de que o governo não ficará para sempre e virá outro, o trabalho da PF não poderia ter nenhuma conotação de defesa do eventual governo a quem ela está subordinada.

 

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