Por Renato Ferreira
“Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João...” – Sampa de Caetano Veloso
Em meados dos anos 1970, quando cheguei a São Paulo, no auge dos meus 15 anos, tudo era diferente para aquele garoto de Minas Gerais, deslumbrado com a grandeza e a beleza de São Paulo. Naquela época, ao contrário de hoje, quando sofre com a seca, São Paulo ainda era a Terra da Garoa.
Morando em Osasco, na região Oeste da Grande São Paulo, fui aos poucos desbravando a Capital dos Bandeirantes e a sua, ainda, civilizada selva de pedras. E para a maioria dos adolescentes daquela época, o centro da Capital era destino obrigatório, onde ainda se podia andar com tranquilidade, com esperança e sem medo.
Após descer do trem na sempre bela estação Júlio Prestes, antes de chegarmos à 24 de Maio, Praça Ramos, olhar as vitrines da Mesbla, subir as infindáveis escadas do Mappin, olhar o Teatro Municipal, Viaduto do Chá e outros encantos da velha São Paulo, mesmo com tantos outras caminhos, não tinha como não passarmos pela mais famosa esquina romântica da Capital: Ipiranga com São João e sentir a mesma sensação de Caetano Veloso.
Mas, passado quase meio século, a região central de São Paulo e a esquina da Ipiranga com a São João já não são as mesmas. Pode-se ainda ir de trem , de Metrô, com muito mais estações, porém, além da seca e da poluição, o cenário é bem diferente.
E as mudanças já começam ao descer na Júlio Prestes. No local, onde se via a antiga rodoviária de São Paulo, agora, no Tietê, muito maior e com muito mais brasileiros chegando, o que se vê, antes de atravessarmos a Duque de Caxias, é uma concentração de viciados em crak, verdadeiros zumbis. Uma realidade vergonhosa para a São Paulo do século 21, como também de todas as grandes e médias cidades do Brasil.
E esta nova realidade da Capital Paulista foi mais uma vez escancarada para o mundo, na última terça-feira, dia 16 de setembro. Em função de uma reintegração de posse, a mais famosa esquina romântica de São Paulo, onde Caetano Veloso dizia: “E os novos baianos te podem curtir numa boa...”, transformou-se numa praça de guerra.
Do romantismo vivenciado por Caetano, o que se viu durante todo o dia foi uma batalha urbana, entre sem teto e policiais, com o comércio fechado, carros incendiados e pessoas feridas. Talvez, a única relação desse dia de guerra na famosa esquina com o nordestino poeta e músico Caetano, foi o arremesso de cocos jogados pelos invasores dos andares mais altos do prédio.
Com certeza, quem passar hoje pela esquina da Ipiranga com a Avenida São João, não terá o mesmo sentimento de Caetano, mas, poderá também cantar: “Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João...”.
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