Um dos assuntos que tem dominado a imprensa brasileira nos últimos dias e que já vem sendo objeto de análise nos Tribunais de Justiça há alguns anos, é a polêmica sobre a publicação de biografias não autorizadas. O fato está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Conforme o Quintal da Notícia publicou no dia 29 de outubro -
http://quintaldanoticia.com.br/2013/10/29/roberto-carlos-promete-falar-sobre-o-acidente-em-autobiografia/ -, o fato despertou ainda mais atenção, após a entrevista do cantor Roberto Carlos, um dos principais personagens dessa polêmica. Há seis anos, Roberto Carlos proibiu na Justiça a venda de sua biografia não autorizada e, agora, se disse mais aberto, afirmando, inclusive, ser a favor das não autorizadas, desde que o assunto seja devidamente discutido e analisado entre o autor e o biografado.
No ano passado, a Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel - entrou com uma ação questionando dois artigos do Código Civil. Um desses artigos é bem claro e determina que é necessário autorização para a publicação ou uso da imagem de uma pessoa. E mais: que a divulgação de escritos, a transmissão, publicação ou exposição poderão ser proibidas se atingirem a honra, a boa fama, a respeitabilidade ou se tiverem fins comerciais. O outro artigo diz que a vida privada é inviolável.
Ao questionar os artigos do Código Civil, a Associação dos Editores alega que a necessidade de autorização prévia é uma forma de censura, fato que, segundo os editores, ataca a Constituição, que prevê a liberdade de expressão e o direito à informação. A Anel pede que o STF declare a inconstitucionalidade parcial dos artigos, esclarecendo que não deve haver autorização prévia para a publicação de biografias.
Polêmica
O fato é que, a cada declaração de quem defende ou não a publicação de biografias não autorizadas, a polêmica só aumenta. E as discussões não estão apenas na imprensa, mas, também ganham a cada dia mais repercussão na internet. Todos os dias pipocam nas redes sociais opiniões prós e contra, tanto de pessoas simples, como também de especialistas, juristas, alunos e professores. E fica evidente que as pessoas públicas, principalmente, os artistas que são contrários à publicação sem prévia autorização, ou totalmente contra às biografias não autorizadas.
Os biógrafos defendem o direito à liberdade de expressão. Para eles, a difamação deve ser punida pela Justiça. Conforme matéria do jornal o Globo, João Máximo, autor da biografia de Noel Rosa, afirmou: "Processe-se o biógrafo que injurie, calunie, difame ou fira a verdade em qualquer medida; mas respeite-se o que, ao biografar seriamente um homem público brasileiro contribua, de alguma forma, para contar um pouco da história do Brasil".
O escritor Laurentino Gomes disse: "Deixem que jornalistas, escritores e biógrafos trabalhem. Se eles mentirem ou cometerem injustiças, que sejam punidos de acordo com a lei. Mas sem censura". Mas, isso até poderia ser aceito se a Justiça no Brasil pudesse ser levada a sério. Se essa Justiça fosse célere e não atendesse apenas os "direitos" de quem tem dinheiro para pagar verdadeiras fortunas aos grandes escritórios de advogados, conforme a história e os fatos recentes revelam.
Diante de tantas polêmicas, o STF, por meio da ministra Carmen Lúcia, relatora do processo, decidiu realizar audiência pública sobre o assunto a fim de ouvir todas as opiniões e pontos de vista diferentes. E só depois dessas discussões é que o caso será julgado pelos ministros do Supremo.
E, se por um lado, os editores evocam o direito à informação, por outro, a associação "Procure Saber", um grupo de artistas defende que as biografias precisam de autorização para serem publicadas. Para os artistas, essa medida nada tem a ver com censura. Dentre outros, fazem parte do "Procure Saber", artistas como Roberto Carlos, Caetano Veloso e Chico Buarque.
O Congresso já entrou também na polêmica das biografias. Conforme um projeto em tramitação na Câmara, deve-se acabar com a necessidade de autorização para a divulgação de imagens e informações com finalidade biográfica.
E uma proposta de emenda ao projeto prevê ainda que a pessoa que se sentir atingida poderá pedir à Justiça a retirada do trecho que conseguir provar que é ofensivo à honra. Mas, apenas em reedições da obra. O projeto precisa ser votado ainda na Câmara dos Deputados e no Senado.
Já o ministro aposentado do STF, Carlos Veloso, tem opinião diferente: “A pessoa pública que não é agente público tem o direito de dizer que não quero ser biografado. Eu acho que isso me parece normal. E com relação, então, ao direito à intimidade e à privacidade, aí eu penso que é necessária a autorização”, disse Carlos Veloso.
OPINIÃO
Tenho ouvido nos últimos dias, como também lido na imprensa e nas redes sociais muitas opiniões sobre o assunto. Eu, particularmente, tenho a minha opinião sobre a questão e, para muitos, pode parecer até que a minha opinião seja contraditória com a minha profissão de jornalista, pois, como deixarei claro, sou a favor de que deve haver a autorização prévia. E tentarei mostrar que isso não é censura, pois, prefiro ficar com os artigos constitucionais sobre o direito que todos têm à privacidade.
Como cidadão e jornalista defendo o direito de liberdade e de informação mas, da mesma forma defendo que ele não pode invadir o direito à intimidade e à privacidade de nenhum cidadão. Mesmo no caso de agentes públicos. Estes têm o dever de dar publicidade aos seus atos que dizem respeito à suas ações públicas e não à sua intimidade. Claro, se essa intimidade tornar pública pelas suas próprias ações e prejudicar a coletividade, fica evidente, que a mesma deixou de ser privada para tornar pública, dando a todos o direito de veicular ou publicar tais intimidades. Aí passa a vigorar o direito que todos têm à informação, sobretudo, sendo de um agente público.
Para alguns que defendem as biografias não autorizadas, o que está em discussão é apenas a questão de publicação de fotos de familiares dos biografados e o direito à imagem. Eu acho que não é somente essa a questão polêmica, mas, também a publicação de fatos que venham a denegrir o biografado. Até porque, para o público não vai influenciar em nada a publicação de um fato relacionado à intimidade de ninguém. Pra mim, isso fica apenas no campo das fofocas e nada vai alterar a ordem do dia, seja na política ou na economia, portanto, totalmente desnecessária às publicações sérias e de interesse da coletividade.
E acho que existem também outros fatores que devem nortear essas discussões sobre as biografias não autorizadas, por exemplo, o lado do interesse financeiro, dos possíveis "adversários" e da concorrência desleal.
Ora, se uma pessoa pode ser considerada "pública" pela sua história como artista, ator, cantor, escritor ou atleta, qual o direito que qualquer pessoa, jornalista ou não, tem em publicar fatos sobre a sua vida e ainda ganhar dinheiro com isso? No mínimo, nesse caso, mesmo que a lei venha autorizar a publicação, que seja discutido com o biografado, qual o percentual que o escritor terá sobre a venda de tal biografia. E acho que tem o direito de definir esses percentuais é o biografado e não quem escreveu.
Entra também o caso de possíveis adversários ou da concorrência desleal. Quem poderá negar que isso possa acontecer? E, nesse caso, mesmo que haja indenização por injúrias e difamações numa biografia não autorizada, como fica o caso de indenizações por danos morais, sobretudo, se houver propositadamente informações inverídicas que prejudiquem a vida do biografado, principalmente, no Brasil, onde quando não falha, a Justiça sempre tarda?
E para finalizar esta singela opinião, faço uma pergunta: sou amigo e já trabalhei com colegas que hoje trabalham em importantes veículos de comunicação e outros que são até destacados correspondentes internacionais. Pode ser que tais amigos venham a ter, além do reconhecimento como profissionais da Comunicação, outros papéis importantes no país, seja no campo político, cultural ou artístico.
Como conheci essas pessoas em outras épocas, teria eu o direito de algum dia vir a publicar, por ser jornalista, um livro falando sobre a vida de alguns deles, por mais que eu tenha conhecimento de fatos que jamais eles próprios publicariam? Ainda mais visando lucros financeiros com tais obras biográficas? Eu mesmo tomo o direito de responder: Não tenho esse direito.
O verdadeiro autor e dono das informações contidas numa biografia é o biografado e não o biógrafo, portanto, não se trata de censura e, sim do direito de resguardar ou não a sua própria história. Por exemplo, ninguém pode traduzir e lançar uma obra estrangeira sem a autorização do autor ou dos detentores dos direitos dessa obra, quanto mais em se falando dos direitos da vida de uma pessoa.
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